Eu amei esse filme. Eu amei a sensibilidade dele. Amei cada pequena decisão que aquela garota tomou. Durante toda a minha vida, as pessoas que me cercam criam expectativas sobre como eu devo vivê-la. Bom, eu cresci numa época diferente. Então, minha família sempre me criou para ser a esposa de alguém. Pelo menos, essa é a visão que eu tenho da minha criação. Quando criança, eu era a princesinha do meu pai. Inseparáveis. Ele me educou da maneira nele. Apesar disso, eu apanhava muito. Uma vez até apanhei por quebrar a tomada do aparelho da TV a cabo. Então cresci temendo muitas coisas. Todas as vezes que eu enfrentava meu pai, era recitado aquele versículo "respeite teu pai e tua mãe para que seus dias na terra se estendem" (algo assim). Mesmo se eu tivesse razão em confrontar, eu tinha algo na minha mente me fazendo pensar que aquilo era errado de alguma maneira.
Diante disso, aos 15 anos eu decidi que iria fazer um curso técnico que meus pais não aprovavam, pois era na parte da noite. Eles achavam que eu só iria fazer esse curso pra ficar com o meu namorado da época, durante a parte da tarde. Eles não confiaram em mim. Que eu estava fazendo aquilo por mim. Eles não conseguiam aceitar que aquela decisão, ainda que mínima, sobre a minha vida, havia partido de mim. E sim de um homem.
E então veio a parte da faculdade. Eu precisava ser inteligente, e entrar numa faculdade que oferecesse um curso que mostrasse status para a família. Sendo assim, eu fiz minha própria decisão de cursar Jornalismo. Foi uma decisão minha, e agradeci a deusa que meus pais não implicaram com isso. Eu estava já solteira, com um trabalho que conquistei com o curso que eles tanto criticavam.
E então, com o curso eu aprendi tanto sobre a sociedade. Sobre seus problemas com pessoas pretas, com o povo indígena, e acima de tudo, o machismo sobre as mulheres. De repente, tudo o que havia me ensinado, tudo o que eu havia aprendido na escola, ou com meus pais, ou família, virou pó, diante da verdade que se estendia sobre meus olhos. Eu não fui uma garota criada pra ser feminista. Eu fui criada pra ser uma mulher. Não entendia a necessidade de lutar pelo meu lugar. Mas compreendia que era uma coisa que eu estava fazendo há muito tempo. Durante todas as vezes que eu tentava impor minha vontade sobre um homem, durante as vezes que um homem tentou me manipular para fazer as escolhas idiotas que eles queriam que eu fizesse. Fui objetificada a vida inteira, e não fazia ideia do que era aquilo, até ler, e entender sobre o assunto.
Então eu comecei a ter minhas próprias ideias e caminhar com minhas próprias pernas. Finalmente saí do ventre. E aos poucos comecei a desfazer a misoginia que havia dentro da minha própria cabeça. E aos poucos, ainda tento tirá-las de mim. Claro que isso foi uma catástrofe para meu pai. Eu andando por aí, tendo ideias feminista, enfrentando sua autoridade de homem dentro de casa, e mostrando ideias falhas que ele, em sua consciência, eram sábias para a harmonização do nosso convívio. Claro que isso favorecia somente a ele. E infelizmente, ele nem se deu conta disso. Porque o machismo é institucionalizado.
Assim como no filme na Enola. Os homens temem a voz das mulheres. Temem suas ações. Suas decisões. Tentam constantemente controlá-la. Tentam guiá-la. Tentam sabotaná-la para o que a garota nasceu para fazer. Mas ela foi firme, desde pequena, e ver que ela cresceu assim, me enche de inveja. Pois eu quero ser tão forte quanto aquela personagem. Tão sábia e vívida quanto. Quero saber lutar, quero saber me defender, quero saber o que responder tão arduamente quando me impõe algo. Quero terminar de vez com essa história de que um homem deve decidir que caminho vou seguir. E a sensibilidade de abordar isso, tão provocante e docemente num pequeno interesse romântico, foi lindo demais. Não sou perita em filmes, estou longe de ser a pessoa que conhece a sétima arte mundial. Mas sei o que aquele filme foi, e ele me fez lembrar de sempre lutar pelo meu próprio caminho.
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